"Não sou este corpo que possui um espírito, mas sou o Espírito que fala por este corpo."

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Olhe pro Teto

Olhe pro Teto


A vida passa e muito raramente lembramos de parar e olhar pro teto. Vou explicar. Todo mundo vive certos instantes em que se vê invadido de milhares de pensamentos, então, como que numa atitude de análise e auto-conhecimento, deitamo-nos e paramos com o olhar fixado para o teto. O olhar para o tetonos leva as mais importantes decisões e reflexões, é o momento onde conversamos conosco e exercitamos o imperativo: Conheça-te a ti mesmo. Geralmente somos conduzidos a olhar o teto sem querer, não lembramos muito dessa atividade, do tipo: Anotar na agenda, hoje vou deitar e ficar viajando, pensando em mim, na minha vida, talvez pense em Deus, talvez pense em futebol, pensarei em alguma menina, deitar e não pensar em absolutamente nada. Hoje vou olhar pro teto.
Muitas vezes olhei para o teto acompanhado do meu irmão. Dividíamos o mesmo quarto e eu sempre tentei utilizar a minha olhada de tetoinstantes antes de eu dormir. Na verdade este estado de ficar paradão, olhando pro nada, não precisa necessariamente ter como ponto o teto, nem precisa estar deitado na cama, num quarto. O que conta é o comportamento do olhar fixo, mente longe, pensamentos a mil, vocês sabem do que estou falando. Mas lembro que muitas vezes viajei nos meus pensamentos enquanto Vitor fazia alguma outra coisa simultaneamente em nosso quarto, falava ao telefone, conversava na internet, em alguns momentos olhamos para o teto juntos, é disto que mais sinto falta.
Nostálgico como sou, conduzia-o facilmente nas minhas memórias, as quais ele embarcava recordando comigo. Nossas olhadas de teto juntos pareciam mais verdadeiras sessões de lembranças, dividíamos dúvidas, dávamos nossas próprias opiniões e conclusões, quase sempre não falávamos olhando um ao outro, era ele deitado em sua cama, eu na minha, na nossa frente apenas o teto. Após, dávamos boa noite e virávamos no sono, mas não raro, íamos madrugada a dentro nessa nossa olhada.
Certa vez conversamos bastante a respeito da viajem que ele tinha feito à Porto Seguro, as aventuras, brincadeiras, bebedeiras. Um imã trazido por ele como lembrança dessa viajem ainda se encontra na geladeira de casa, hoje não está o imã tão invernizado, como quando ele trouxe bronzeado, mostrando-nos feliz por ter chegado, cada ano que passa, fica o imã na geladeira mais desbotado. E depois dessa viagem, pudemos olhar juntos pro teto, porque desta viagem, ao menos desta viagem, ele pôde ter retornado.
Noutra consulta dessa olhada de teto que fiz com ele, resolvemos mirar nas loucas e mais despretensiosas brincadeiras que fazíamos anos atrás. Sem trabalho, férias escolares, os dois juntos dentro de casa, inventávamos bobeiras e brincadeiras para tarde poder passar logo. Como eu queria por alguns instantes, viver de bobeiras como vivia antes e esquecer qualquer problema ou compromisso que a vida me obriga a tragar. Uma guerra de cosquinhas, uma gargalhada estrondosa e desestressante, batalha de almofadas no sofá, músicas inventadas sem nenhum critério e cantadas por nós como dois bêbados loucos, rindo e vivendo, enquanto terminava mais um filme da Sessão da Tarde.
Numa noite, lembro que olhei pro teto recordando das gravações que fazíamos na secretária eletrônica, Vitor via alguma coisa no computador, enquanto eu observava o teto lembrando e falando com ele sobre isso. Gravamos vários minutos na secretária, cantando empolgadamente funks e rap’s, como se estivéssemos de fato numa gravadora, pra depois ouvirmos nossas próprias vozes desafinadas e então rirmos bastante. Hoje, como queria escutar aquela tua voz rouca, e se tivesse uma mensagem gravada sua, ouviria diversas vezes, em casa ou na rua, relembrando dos nossos rap’s e da nossa dupla de Mc’s.
Outra vez, e dessa vez me lembro muito bem, resolvemos olhar pro teto e relembrar dos amigos nossos da rua que já tinham partido. Alguns colegas que jogavam bola conosco, jogavam fliperama, batiam papo, e que de repente, tomaram a viagem que tempos depois Vitor também tomou. Falava ele com espanto: Fulano estava entre nós, jogando bola na quadra outro dia, e agora.... A maioria destes colegas tinha tido morte violenta, alguns provavelmente envolvidos com situações comprometedoras, que contribuíram para suas próprias jornadas. O mais inesperado e até assustador, é que o companheiro que olhava pro teto comigo anos atrás, indagando-se quanto aos porquês da vida, partira ele também nessa estrada bandida. Poderia ter ido eu, poderia ter ido você, mas então, foi ele.
E agora olho sozinho para o meu teto, fico de bobo tentando bancar o esperto, mas sei de algo que pra mim é bem certo, eu sei que você está longe, mas posso sentir você perto.
Porque se a cada lembrança o pensamento pode voar, e se o nosso teto está muito além do que a telha possa agasalhar, então prefiro crer que meu teto é o infinito. Que se eu acreditar, olho para o universo, e de lá, você sente o meu afeto.
Boa noite irmão, olhe para o nosso teto.
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Raphael V. Tavares

2 comentários:

  1. Oi amor! Adorei o que escreveu, como adoro tudo que vem de você, mas uma vez me emocionou com esse seu jeito incrível de colocar tão bem as palavras.
    Parabéns por essa dádiva que Deus te deu.

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  2. Parabéns amor por essa dádiva divina que Deus te deu de conseguir escrever com tanta emoção seu sentimentos maravilhosos por alguém tão especial.
    Por isso que te amo tanto.

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O mal é a ausência do bem, assim como a escuridão é a ausência da luz.
Desta lógica, um dia será inadequado usar a palavra “morte” para falar da situação dos que já se foram, pois que a morte é a ausência da vida, mas aqueles que partiram ainda vivem, numa vida paralela a nossa!