Voltava do trabalho no coletivo e tocava "Rodo Cotidiano" de O Rappa no Spotify. Escolhi a música nem tanto pela letra, mas porque ele curtia muito. O som ia tocando e então eu me permiti relembrar... admito que geralmente eu evito algumas lembranças.
A casa que nós moramos está alugada
hoje, mas eu evito de visitar.
As fotos, poucas se comparadas à
facilidade de hoje, eu evito de consultar.
Os vídeos dele (raros) evito de
procurar.
Uma década. No entanto, mais
do que a percepção louca do tempo o decágono nos traz o surpreendente clichê:
"parece que foi ontem"!
Foi ontem, o vi dançando naquela
última festa, piscina cheia, churrasco que não tinha carne. Adolescentes,
riamos... salvo engano comemorávamos o aniversário de alguém, nem importa quem, a maioria dos
amigos dele estavam ali naquele dia.
Foi ontem, ele saiu de carona dizendo
que ia comprar esfihas... "esqueci o
chinelo" dizia ele enquanto voltava correndo e rindo. Foi então que pela
última vez apertei a sua mão, ontem, logo ali.
Então, para minha feliz surpresa,
enquanto a música rolava e eu lembrava, me peguei sorrindo à toa... aquele
sorriso gostoso, foi quando recordei da sua última gracinha (rs). Ainda ontem,
ele bêbado estapeava o rosto dos seus colegas.
Aquele sorriso bobo, tal qual eu
esboço hoje, vendo minha filha apontar para sua foto e já dizer: "titio".
E a riqueza nos detalhes de ontem
me mostram que minha memória não está tão ruim assim; a forma como ela mordia
levemente a boca quando estava ansioso; o seu andar com o pé esquerdo um pouco inclinado para dentro; as suas gírias.
"My brother" repetia a letra de O Rappa, a música chegava
ao fim... eu, algo nostálgico, que me permiti relembrar, estava ali na
condução, meio chorando e meio sorrindo. Sou
“mais um no Brasil da Central", lembrando da tarde de ontem que tá
logo ali, dez anos ou dez minutos, tanto faz.
Mas o ontem tá tão longe.
Raphael V. Tavares
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