"Não sou este corpo que possui um espírito, mas sou o Espírito que fala por este corpo."

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Amor e finitude

"Até que a morte os separem". Parece eterna a sentença dada pelo vigário, sobretudo se você achar que a morte é mesmo o fim. 
Laura dizia que tinha chegado o fim. Vestia uma saia longa e a maquiagem forte refutava os sinais do tempo, porém algumas rugas fundas e fios alvos denunciavam que Laura já sobrava mais de 5 décadas. 
Destas 5 décadas quase 4 foram vividas ao lado de Paulo. Primeiro namorado, casou virgem, outros tempos.
Agora Laura conversava com a amiga numa cafeteria, repetia com o olhar sóbrio e uma segurança convicta: Acabou. 
Ela não marejava os olhos, entre um gole e outro no café Laura não soluçou nenhum choro... o café ainda mornava, mas a vida há muito tempo já tinha tratado de esfriar Laura.
Tinha seus motivos, a amiga ouvia calada, vez ou outra a tal amiga balançava a cabeça positivamente, enquanto Laura já fazia planos para sua nova vida. Mas quem viveu o luto da morte não haveria de sucumbir ao luto de um casamento.
Dois filhos, uma casa estilo colonial com piscina, um cachorro... outros tempos. Os filhos cresceram, a casa foi alugada, o cachorro morreu, a vida de Laura e Paulo foi desgastada. O amor virou afeto, o afeto virou obrigação, a obrigação se transformou em rotina... a rotina é solidão.
Os mesmos problemas, os mesmos dilemas, a amiga já os conhecia no entanto Laura os repetia. 
Para Paulo era diferente, ele ainda vivia a mortalha do amor de outrora. Estava tal como na letra de Chico: "Me explica com que cara eu vou sair. Não, acho que estás te fazendo de tonta. Te dei meus olhos pra tomares conta. Agora conta como hei de partir".
Laura não estava nem aí para a poesia de Paulo ou de Chico, foram muitos devaneios, frustrações, anseios. Um curso de psicologia e três ou quatro palestras sobre Foucault e Durkheim foram suficientes para uma nova Laura surgir.
Paulo se dizia "réu confesso", tal qual o Tim naquela canção, "devo admitir que sou réu confesso, e por isso eu peço, peço pra voltar" Debalde, não adiantou.
Como num drama mexicano ou numa Tragédia Grega, é natural perguntar-se por quê uma história de amor de 4 décadas acaba assim, um ciclo de vida que se encerra. Mas a vida não é tão dramática como quer o romancista, nem tão melancólica como supõe o poeta... a vida é pragmática.
O amor não acaba do dia para noite, ele vai morrendo com o tempo.
Entretanto, o que a gente teima em tentar entender Vinicius foi capaz de explicar com dois versos:
E assim, quando mais tarde me procure. Quem sabe a morte, angústia de quem vive. Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure.

Raphael V. Tavares


Um comentário:

  1. Lindo Filhão, como sempre. Pena a inspiração vir sempre com as pauladas dá vida, como sempre foi com os poetas e sensíveis escritores como vc.Obrigada por sua sempre sensibilidade. Te amo pra sempre. Bjssss

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O mal é a ausência do bem, assim como a escuridão é a ausência da luz.
Desta lógica, um dia será inadequado usar a palavra “morte” para falar da situação dos que já se foram, pois que a morte é a ausência da vida, mas aqueles que partiram ainda vivem, numa vida paralela a nossa!