Saudades de um Guerreiro
.17 de dezembro 2006 – Domingo
Num domingo de sol ele já não estava mais lá, difícil será se acostumar com a idéia de sua ausência, depois de 15 anos de companhia e fidelidade. Já se encontrava bem idoso e foi cometido por forte infecção resultante do processo de parasitas, através de larvas. Não recebeu o tratamento adequado, por já não ser tratado mais com a mesma importância e preocupação de anos atrás, considero compreensivo tal comportamento, afinal, os compromissos e as obrigações do dia-dia acabaram por tornar cada vez mais difícil o zelo pela sua saúde, restando apenas a lembrança de alimentá-lo e de mantê-lo hidratado. O consolo maior é de que finalmente se encerrou o seu sofrimento, há dias já andava cabisbaixo, não tinha apetite, algo que nunca lhe faltou, e demonstrava clara tristeza no seu já cansado olhar.
Ficaram as lembranças, as boas, lutarei sempre para que estas não se apaguem e caiam no esquecimento. Lembrança de quando era jovem e brincava conosco, meu irmão e eu ainda crianças, de quando era liberto do canil e saia correndo a toda velocidade pelo quintal, rodeando a piscina e examinando cada canto do novo espaço a que tinha acesso, há anos já não tinha mais o mesmo fôlego da sua juventude. Lembrança também de quando chegávamos de viagem e ele nos recebia fazendo a maior festa do mundo, balançando rapidamente a sua comprida calda e exibindo uma alegria estonteante em nos ver. Lembrança de quando fugiu sem ninguém notar e, entrando sorrateiramente na cozinha, roubou o frango que acabará de ser comprado e que ali se encontrava pronto para o almoço, de quando era levado para passear, nas poucas vezes em que isso aconteceu, e se assustava com as pessoas e com os veículos na rua. Como esquecer das vezes em que eu brigava com meu irmão? Trocando chutes e tapas, e ele, como um responsável e protetor, latia e pulava sobre nós. Era como se dissesse: Parem com isso, vão se machucar. Ilustrando o espírito de segurança e de guardião que tinha conosco. Como esquecer das vezes em que eu ficava triste e me sentia revoltado? Devido à imaturidade natural de criança e aos conflitos de adolescente, e então, encontrava nele um amigo, mudo e leal, sempre pronto a me escutar. Os carinhos que lhe fazia atrás das orelhonas, era onde ele mais gostava de receber. Os códigos que desenvolvemos um com o outro, como ele sempre pular quando eu batesse com a mão no portão do canil, estalar os dedos quando quisesse que ele viesse até mim, dentre outros códigos, que ele cumpria direitinho, mesmo com a dificuldade para pular no portão já na sua velhice.
Era chamado de Hilander, assim foi apelidado por atribuirmos a ele a característica de imortal, Guerreiro Hilander, isso porque, embora fosse epilético, tinha boa resistência. Mesmo ficando sem comer por falta de ração, na época das vacas magras lá em casa, mantia-se forte, acabou por engolir um rato quase inteiro certa vez, achado no quintal, e também devorar o roedor nenhum mal lhe causou, assim como nada lhe causaram os ataques de epilepsia dos quais rapidamente se recuperava. Era de causar espanto a sua resistência aos fatos a que era exposto, no entanto, o nosso "imortal" morreu.
Não ouviremos mais os seu ladrar ao toque da campanhia, não ouviremos mais o seu choro pedindo carícia ao nos aproximarmos do portão, não ouviremos mais o seu imperioso latido ao soarem os estouros de um rojão no céu, não o veremos mais colocar o rabo entre as pernas ao chegar perto do meu pai e não o veremos também fazer manha quando percebesse a presença da minha mãe.
Essa é a lei, essa é a vida. Adeus amigo, adeus Guerreiro.
Essa é a lei, essa é a vida. Adeus amigo, adeus Guerreiro.
Raphael V. Tavares