"Não sou este corpo que possui um espírito, mas sou o Espírito que fala por este corpo."

domingo, 29 de janeiro de 2017

Foi Ontem



       Voltava do trabalho no coletivo e tocava "Rodo Cotidiano" de O Rappa no Spotify. Escolhi a música nem tanto pela letra, mas porque ele curtia muito. O som ia tocando e então eu me permiti relembrar... admito que geralmente eu evito algumas lembranças.
A casa que nós moramos está alugada hoje, mas eu evito de visitar.
As fotos, poucas se comparadas à facilidade de hoje, eu evito de consultar.
Os vídeos dele (raros) evito de procurar.
Uma década. No entanto, mais do que a percepção louca do tempo o decágono nos traz o surpreendente clichê: "parece que foi ontem"!
Foi ontem, o vi dançando naquela última festa, piscina cheia, churrasco que não tinha carne. Adolescentes, riamos... salvo engano comemorávamos o aniversário de alguém, nem importa quem, a maioria dos amigos dele estavam ali naquele dia.
Foi ontem, ele saiu de carona dizendo que ia comprar esfihas... "esqueci o chinelo" dizia ele enquanto voltava correndo e rindo. Foi então que pela última vez apertei a sua mão, ontem, logo ali.
Então, para minha feliz surpresa, enquanto a música rolava e eu lembrava, me peguei sorrindo à toa... aquele sorriso gostoso, foi quando recordei da sua última gracinha (rs). Ainda ontem, ele bêbado estapeava o rosto dos seus colegas.
Aquele sorriso bobo, tal qual eu esboço hoje, vendo minha filha apontar para sua foto e já dizer: "titio".
E a riqueza nos detalhes de ontem me mostram que minha memória não está tão ruim assim; a forma como ela mordia levemente a boca quando estava ansioso; o seu andar com o pé esquerdo um pouco inclinado para dentro; as suas gírias.
"My brother" repetia a letra de O Rappa, a música chegava ao fim... eu, algo nostálgico, que me permiti relembrar, estava ali na condução, meio chorando e meio sorrindo. Sou “mais um no Brasil da Central", lembrando da tarde de ontem que tá logo ali, dez anos ou dez minutos, tanto faz.
Mas o ontem tá tão longe.

Raphael V. Tavares


O mal é a ausência do bem, assim como a escuridão é a ausência da luz.
Desta lógica, um dia será inadequado usar a palavra “morte” para falar da situação dos que já se foram, pois que a morte é a ausência da vida, mas aqueles que partiram ainda vivem, numa vida paralela a nossa!