Fazia uma romântica manhã de inverno em Paris, eu caminhava próximo a Les Halles e entre a névoa e o embaçado dos meus óculos avistava as varandas dos cafés, onde casais discutiam num francês tão rápido e tão ríspido que mais parecia uma declaração de guerra. Não fazia a menor ideia de como eu havia parado ali, não lembrava de como tinha chegado à Europa, apenas tinha uma plena convicção de que deveria caminhar naquela direção, inconscientemente eu sabia exatamente para onde estava indo.
Sempre desejei conhecer a cidade luz, cidade do amor, caminhar as margens do Sena e visitar o Louvre, porém eu estava ali em Paris andando e não tinha noção de como aquilo havia se dado.
Continuei vagando à sombra da igreja St. Eustache quando então avistei de longe uma jovem elegante, instintivamente eu fui a sua direção, mas ela ainda não havia me notado. Ela era alta, usava um salto e um sobretudo, as luvas davam um charme final típico de uma moça francesa. Aproximei-me e a encarei, percebi então que ela parecia estar chorando, ela me olhou assustada e deve ter estranhado muito o meu comportamento. Como eu não falava francês e nem sabia o que fazia ali não tinha em mente o que dizer a ela, apenas sabia que eu precisava falar com aquela desconhecida.
Cheguei mais perto e arrisquei um "Hi there! Are you ok?" Ela permaneceu calada e percebi que minha tentativa constrangedora no inglês não havia dado muito certo.
Foi então que dei mais um passo em sua direção e notei que seu rosto me era familiar. Oh meu Deus, seria possível? Era ela, Caitríona Balfe, ou apenas Cait já que eu me sentia íntimo dela depois de tanto que havia lido a seu respeito nos últimos meses. Ela arregalou seus olhos azuis quando eu disse o seu nome e então pude ter certeza de que era ela mesma, porém estava muito mais jovem, aparentava ter uns 19 anos no máximo. Então não se tratava de uma francesa, mas sim da atriz irlandesa estrela de Outlander, bem ali na minha frente.
Ela perguntou como eu sabia seu nome, e de repente eu conseguia entender perfeitamente o seu inglês britânico, enquanto eu podia também falar tranquilamente de modo que ela me entendesse, essas coisas loucas que só acontecem em sonhos.
Expliquei que eu era um fã dela, que havia assistido ao seu papel em Outlander e que pesquisei sobre o trabalho dela, foi nesse momento que eu consegui ganhar um discreto sorriso, quando Caitríona me falou que era apenas uma modelo em início de carreira e que estava num contrato de uma agência em Paris.
Ali que eu me dei conta de que havia viajado no tempo, era a única resposta possível, eu havia voltado para a época em que Cait ainda estava no início da sua jornada de modelo na Europa. Pelas minhas contas e pela idade que ela aparentava, calculei que o ano deveria ser 1999 ou 2000. Mas por que isso teria acontecido?
Notei que os seus olhos ainda estavam um pouco vermelhos do choro e a convidei para um café, daí ela respondeu que já estava cansada dos cafés parisienses e que preferia alguma coisa que lembrasse mais o país natal dela, disse isso apontando para o que parecia ser um pub irlandês, fomos então até lá.
O nome do pub era Quigley’s Point, no caminho Cait ainda me olhava desconfiada, mas já estava mais à vontade e arriscava alguns sorrisos, provavelmente achando engraçado o meu jeito de falar e aquele meu papo louco. Entramos e o lugar era bem barulhento, ela me contou que precisava pedir uma cerveja irlandesa com uma porção de batatas fritas, eu ficava rindo e achando aquilo tudo muita loucura. De repente Caitríona Balfe estava bem ali conversando comigo, as mesmas características que eu havia observado nos vídeos dela e no seriado da Netflix, o seu leve estrabismo que não diminuía em nada o brilho do seu olhar, a sua risada marcante, curta e bem sonora, os trejeitos e principalmente o bom humor, ela era muito brincalhona apesar de ter acabado de me conhecer, tal como nos bastidores da série.
Enquanto brincava com uma batata Cait me contou que estava chorando quando eu a encontrei porque ela tinha acabado de ser humilhantemente rejeitada por um diretor num teste de modelos. Eu disse que ela não devia se preocupar com aquilo, num futuro próximo ela teria uma promissora carreira de modelo e depois ainda seria atriz estrelando uma série televisiva de muito sucesso.
Cait então deu sua risada característica e em seguida disse: "How can you know this?!" Contei a ela que eu era um viajante do tempo, exatamente como a personagem que ela interpretaria na série do futuro, mas pedi para que ela não me perguntasse detalhes porque eu mesmo não fazia ideia de como tinha chegado à Paris.
A jovem Cait sorria e certamente achava que aquilo tudo era uma grande piada vindo de um estranho engraçado. Fiquei alguns segundos parado fitando-a com o meu olhar extasiado, poucas vezes eu tinha me conectado tanto com uma personagem como ocorreu com Claire de Outlander, depois de pesquisar sobre a atriz por traz da cena eu me encantei com as histórias e a personalidade de Caitríona, a cada curiosidade nova sobre ela, a cada vídeo e entrevista novos, a minha admiração só aumentava. Permaneci olhando sem falar nada enquanto ela bebia sua cerveja irlandesa, pensei em explicar para ela o quanto a história dela e da sua personagem mexiam comigo, mas fiquei com medo de parecer piegas demais e permaneci calado.
Talvez tenha sido o meu fascínio por viagens no tempo que me fez fissurar na série Outlander, talvez tenha sido a beleza de Cait somada a sua impecável interpretação e à química dos personagens. Ao perceber que eu a observava de um modo congelado ela perguntou onde estava a minha esposa, enquanto olhava fixamente a minha aliança na mão esquerda. Respondi que eu havia me casado no futuro e que na volta ao passado a aliança veio comigo, exatamente como aconteceu com os personagens Claire e Frank na série.
Depois de mais algumas risadas e perguntas Cait me contou que precisava ir embora, no dia seguinte ela tinha que chegar cedo à agência Ford Models. Na hora de pagar percebi que eu não tinha nenhum dinheiro, ao notar o meu espanto Caitríona não perdeu tempo e disparou: Did you come unprepared of the future, traveler? [Veio desprevenido do futuro, viajante?] Seguida de uma grande gargalhada, me desculpei e saímos do pub rindo.
Do lado de fora fazia ainda mais frio do que quando entramos. Perguntei a ela onde a gente poderia se ver de novo, Cait então respondeu que costumava ir à Île de la Citê pelas manhãs nos fins de semana, “Se você não estiver de volta para o futuro, aparece!” disse sorrindo enquanto se afastava dando um tchauzinho. Confesso que eu fiquei esperando pelo menos um beijo no rosto de despedida, coisa de latino.
Voltando a caminhar pela cidade, num lampejo de memória veio à mente tudo que eu precisava fazer se quisesse voltar para casa, para a minha época. Eu sabia então perfeitamente onde estaria o tal portal da viagem que me trouxe.
Mas será que eu deveria voltar, ou já estava dominado pelos encantos de Paris?
Raphael V. Tavares