Amor e Convivência I
No início tudo é flor, o cuidado em não magoar ou não desconfortar o outro é a principal intenção, sorrisos são distribuídos ditosos e olhos brilham reluzindo a felicidade que vigora com a iminência da paixão nascente. Nesse estágio são feitas às tais juras de amor, eternas, enquanto durarem.
A melhor hora do dia é aquela em que se está do lado dele, ou dela, juntos riem, conversam, descobrem-se um ao outro, então tudo é tão perfeito que dá até um certo medo. Será que ele não tem defeitos? Ela se pergunta. Será ela assim tão doce e apaixonada por mim? Ele se indaga.
Os bilhetinhos são trocados de hora em hora, as ligações telefônicas vem mais caras, mas quem se importa? Quem se importa com gastos quando se terá o zelo e olhar dela no outro dia? As cartas de amor tornam-se semanais, depois mensais, doravante serão apenas casuais. Mas ainda tratando-se do começo, tudo é intenso, a palavra "amor" nunca foi tão repetida por ambos e aí surgem também os apelidos carinhosos. De repente parece que se conhecem há muito tempo, o calendário curto, que marca o período em que confundiram os seus olhares pela primeira vez, não condiz com a veemência do amor exteriorizado por eles, uma natural afinidade vai se desenrolando com os dias, assim, os elos vão criando forças, através da convivência.
Ele se acha o cara mais sortudo do mundo, ela, com um sorriso que serve como um crachá dizendo: "Apaixonada!", parece não acreditar ter encontrado um sujeito assim. Nesta fase os dois estão dispostos a renunciarem aos seus gostos e caprichos em função do outro, e é justamente isso que os torna tão agradáveis e amáveis entre si. Quando vai visitar a casa da companheira, esta se torna a melhor de todas as anfitriãs, ele também, por sua vez, é muito hospitaleiro. A convivência cada vez mais rotineira entre ambos permite que, a cada novo dia e a cada nova noite, conheça-se um traço diferente do parceiro, às vezes a revelação serve para apaixonarem-se ainda mais, mas às vezes serve também para que digam:
"Puxa, ele(a) não é assim tão perfeito!"
Com o inoxidável tempo, surgem os primeiros desentendimentos, geralmente ocorrem quando eles já têm certeza de que conquistaram de fato um ao outro. Com a certeza da conquista, ousam deixar transparecer um pouco de seus orgulhos e de seus egoísmos, apenas uma amostra, afinal, de louvável o relacionamento serve para que domem as suas más inclinações, ou ao menos tentem domar. Em alguns casos nesse estágio ocorrem logo as primeiras desilusões, às vezes superáveis, outras vezes imperdoáveis, ainda assim muitos conseguem "ir levando", com sorte e força de vontade conseguirão até resgatar uma terça parte do amor fermentado que agitava em ebulição no início de tudo. É chegada então a época em que descobrem que as suas preferências não são tão parecidas assim, na verdade nunca foram, mas o tal véu da paixão parecia lhes encobrir isto também. A partir daí, talvez venham a descobrir ainda que já não estejam mais tão dispostos a abrir mão dos seus interesses particulares, e é exatamente nessa importante fase, que pode variar de alguns anos dependendo do casal, onde irão tomar a decisão que mudará o restante de suas vidas, se irão lutar ou desistir. Cada caso deve ser avaliado por eles mesmos, não adiantará nada um só batalhar e o outro jogar a toalha.
Se coisa alguma for levada a sério, a convivência vai ficando morna, lembrem-se que foi graças a ela – a convivência – que tudo aconteceu. Um triste e frio afastamento dá lugar à calorosa rotina de outrora, não trocam mais idéias, as risadas, nessa fase, são mais compartilhadas com terceiros do que com o companheiro divertido de antes. Assumem compromissos distintos e alegam estar sem "tempo". Porém, já dizia alguém, o tempo é só uma questão de preferência.
As fotos que antes ele recebia aos montes sem pedir, agora cansa de esperar, por um pedaço onde a imagem dela pudesse se imprimir. E o dia que não podia passar sem que ao menos se tocassem, agora se desdobra em semanas, sem se quer eles se avistarem. Os bilhetes, os recados e as mensagens que eram sagradamente guardados pelos dois, agora não são mais lidos com tanto apreço, deixam pra depois.
Onde está o amor? Talvez venham a se perguntar, ou então nem se perguntem, quem sabe nem queiram encontrá-lo mais. Entramos então num campo subjetivo, não teria eu a pretensão de medir o amor de ninguém, caberá uma decisão individual de como não mais ser triste, convivendo ou não, levando-se em conta que a tristeza nutre sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não.
Enfim chega a conta de telefone, há tempos ela não vinha tão baixa.
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Raphael Vieira Tavares