Ora causa apenas leve estado de imobilidade, onde permanecemos paralizados olhando para lugar algum, ora ela dá duros golpes de foice, ferindo e dilacerando se nós permitirmos que ela se instale. Ela, covarde, fria, agressiva... ela, às vezes até boa, num estúpido contraste, às vezes até sã, até amiga... ela, a saudade. Na sensação inexplicável e aparentemente ilógica, recorro às lembranças, daquelas que mais me permitam relembrar, como se ao mesmo tempo em que quisesse evitar a saudade, buscasse nela a forma gostosa de reconhecer. Chego à casa envolto em inúmeros pensamentos e afazeres, mas dentre o vôo veloz da mente que não pára, bate a vontade que quase me obrigando se instala, vontade inerente e não rara, de tentar o passado resgatar. As fotos estão aos montes por lá, impressas e guardadas em caixas, porta-retratos, também são vistas as centenas digitalizadas no HD do computador. Na tela do monitor, nas páginas de um álbum, vão-se anos, décadas, histórias, aquela festa de aniversário, aquela foto com os amigos. Maior, é imensamente maior a melancolia, quando nelas ele está. Suas risadas, seu jeito moleque, brincadeiras e minuezas que a imagem da foto permite-me alçar. Como se não tivesse nem ao menos notado, eu já me encontro mergulhado nessa violenta - porém gostosa - nostalgia, sentado com os pequenos álbuns a folhear. Aquele dia aonde íamos ao colégio e resolvemos, sem motivo qualquer, tirar uma foto antes de partir, aquele dia aonde, inusitadamente, batemos uma fotografia bem na hora em que estávamos à toa de papo numa tarde chuvosa. Mal sabíamos que essas fotos retiradas tão inocentemente e por brincadeira, mais tarde serviriam de gancho levando-me à memória exata daquela cena tão docemente reservada, a cena impressa me leva de volta aquele dia vivido com ele, numa viagem no tempo, lembro bem quando coloquei aquela roupa, lembro dele usando esse chinelo. Aquele outro dia na praia, a foto também ajuda a reviver, ele assustado com a onda, eu o amedrontando, pra depois lhe proteger.
E quando a imagem revelada me permite vê-lo sorrindo, meus olhos logo já estão molhados e as lágrimas já estão fluindo. É ela desvairada, concretizada no meu coração acelerado e no nó do pescoço que já quer soluçar, a saudade está no ar. Tudo que possa me fazer ter mais um pouco dele, as camisas suas, guardadas pelo maior tempo que as golas esgarçadas e o tecido desbotado possam suportar, num apego estúpido e inútil a bens tão somente materiais.
Quanto às fotos, por alguns instantes me fazem bem, rever todas aquelas histórias tão lealmente representadas e trazidas à tona num mágico resgate através de um simples pedaço de papel fotográfico. Conservo a sua careta, sua gargalhada, a reminiscência da sua felicidade me faz reproduzir o quão exímio ele era na arte de rir e de fazer rir. É ele ali na minha mão, o concreto tentando pretensiosamente ser mais vivo que o abstrato, mas eis que surge aí o maior problema. As fotos, ainda que façam bem, ainda que façam certo mal, causam espanto e causam aquela indizível surpresa só até determinado tempo, quero dizer, as fotos (dele) não se renovam mais.
Procuro nunca colocar todas as fotos na rede da internet, sempre poupo algumas, para depois de um tempo, aí então colocar outras e ainda ter aquela sensação inesperada, numa tentativa ilusória de se produzir uma cena nova. As pessoas que verem dirão: "Uma nova foto dele!" E então se emocionarão, sentirão todas aquelas emoções e sensações de que falei anteriormente, ficarão por alguns momentos tristes e também felizes, nessa antítese louca causada pela fotografia. Porém, vai chegando o dia em que as fotos com ele, por mais que sejam trocadas, não serão mais tão surpreendentes, não causaram mais tanto sobressalto, pelo simples fato de que se repetirão.
Dói saber que a mágica das fotos não vai se renovar, faz depositarmos ainda mais carinho, ainda mais "saudade" naquelas que temos por aqui, não foram poucas, contudo, a certeza de que serão únicas nos faz refletir sobre a passagem do tempo e aquelas imagens que a fotografia não pode mais registrar.