"Até que a morte os separem". Parece eterna a
sentença dada pelo vigário, sobretudo se você achar que a morte é mesmo o
fim.
Laura dizia que tinha chegado o fim. Vestia uma saia longa e
a maquiagem forte refutava os sinais do tempo, porém algumas rugas fundas e
fios alvos denunciavam que Laura já sobrava mais de 5 décadas.
Destas 5 décadas quase 4 foram vividas ao lado de Paulo.
Primeiro namorado, casou virgem, outros tempos.
Agora Laura conversava com a amiga numa cafeteria, repetia
com o olhar sóbrio e uma segurança convicta: Acabou.
Ela não marejava os olhos, entre um gole e outro no café
Laura não soluçou nenhum choro... o café ainda mornava, mas a vida há muito
tempo já tinha tratado de esfriar Laura.
Tinha seus motivos, a amiga ouvia calada, vez ou outra a tal
amiga balançava a cabeça positivamente, enquanto Laura já fazia planos para sua
nova vida. Mas quem viveu o luto da morte não haveria de sucumbir ao luto de um
casamento.
Dois filhos, uma casa estilo colonial com piscina, um
cachorro... outros tempos. Os filhos cresceram, a casa foi alugada, o cachorro
morreu, a vida de Laura e Paulo foi desgastada. O amor virou afeto, o
afeto virou obrigação, a obrigação se transformou em rotina... a rotina é
solidão.
Os
mesmos problemas, os mesmos dilemas, a amiga já os conhecia no entanto Laura os
repetia.
Para Paulo era diferente, ele ainda vivia a mortalha do amor
de outrora. Estava tal como na letra de Chico: "Me
explica com que cara eu vou sair. Não, acho
que estás te fazendo de tonta. Te dei meus olhos pra tomares conta. Agora conta
como hei de partir".
Laura não estava nem aí para a poesia de Paulo ou de Chico,
foram muitos devaneios, frustrações, anseios. Um curso de psicologia e três ou
quatro palestras sobre Foucault e Durkheim foram suficientes para uma nova
Laura surgir.
Paulo se dizia "réu confesso", tal qual o Tim
naquela canção, "devo admitir que sou réu confesso,
e por isso eu peço, peço pra voltar" Debalde, não adiantou.
Como num drama mexicano ou numa Tragédia Grega, é natural
perguntar-se por quê uma história de amor de 4 décadas acaba assim, um ciclo de
vida que se encerra. Mas a vida não é tão dramática como quer o romancista, nem
tão melancólica como supõe o poeta... a vida é pragmática.
O amor não acaba do dia para noite, ele vai morrendo com o
tempo.
Entretanto, o que a gente teima em tentar
entender Vinicius foi capaz de explicar com dois versos:
E assim,
quando mais tarde me procure. Quem sabe a morte, angústia de quem vive. Quem
sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa
me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama. Mas
que seja infinito enquanto dure.
Raphael V. Tavares